quinta-feira, julho 08, 2010

Lições do Golfo do México

Faz um mês que estive, a serviço do nosso Estado, no Golfo do México com o objetivo de acompanhar a estratégia de contingenciamento e obter conhecimento a respeito do maior desastre ambiental da história americana no tocante à exploração de petróleo.
O evento, considerado pela própria British Petroleum (BP) como totalmente inesperado e trágico, teve seu inicio com explosões iniciadas em 20 de abril de 2010, vitimando na madrugada do dia seguinte onze trabalhadores. A partir dali sucederam-se mortes de animais de várias espécies, representadas pelas imagens de pelicanos, ave ícone da Louisiania.
Os procedimentos de praxe, como injeção de óleo e lama, o alinhamento de bóias, queima de óleo de superfície, e o uso de dispersantes, não tiveram o resultado esperado.
Atualmente estão em operação, atividades de sifonamento de óleo para navios petroleiros e a perfuração de poços laterais.
Apesar de ainda ser prematuro apontar lições definitivas do evento, entendemos como importantes, entre outras, as seguintes considerações e recomendações:

  • cuidado preventivo: caso houvesse sido dada a atenção devida aos “kiks”, anomalias gasosas, observados antes da explosão da plataforma, talvez o desastre pudesse ter sido evitado. Na verdade somaram-se diversos descuidos operacionais e humanos.

  • gerenciamento de crise unificado, mas descentralizado: foi contratada uma empresa de gerenciamento, com centralização das decisões de contingenciamento. O sistema tem obtido sucesso, mas peca por algumas demoras muito contestadas, como a que ocorreu na Flórida. Em função da centralização excessiva, demorou mais de quatro horas a decisão de como agir frente às manchas de óleo que poluíram a costa turística. Isto tem ocorrido em outros momentos do evento. 

  • Guarda Costeira eficiente: tão logo ocorreu o acidente, foi acionada a operação salvamento. Dos 126 trabalhadores na plataforma sinistrada, 115 foram salvos nas 36 horas subseqüentes, vindo a falecer 11 destes operadores de plataforma. Nos dias seguintes eram comuns as manifestações a favor da guarda, sendo solicitada sua maior participação nos fatos subseqüentes.

  • acompanhar as terceirizadas ponta a ponta: a perfuração estava à cargo da Deep Water Horizon, uma terceirizada da BP. A execução de metas, a recuperação de atrasos e a necessidade de ir para um novo ponto de perfuração podem ter influído no descuido com as anomalias verificadas antes do sinistro.

  • se ater ao processo metodológico com visão crítica: os manuais de procedimento não deixaram de ser seguidos, mas se mostraram insuficientes. Os dispersantes, por exemplo, usados para as águas do Golfo, não surtiram o efeito desejado em função da baixa mecânica de suas águas. Além de não resolver, estaria ocorrendo uma deposição altamente prejudicial à biodiversidade, em camadas intermediárias da lâmina de água e no fundo marinho.

  • mais rigor nos licenciamentos de perfuração: embora licenciadas as operações de perfuração, seus condicionantes não se mostraram suficientemente adequados para a situação de águas profundas e ambiente-ecologicamente frágil, tanto que foram suspensas, por seis meses, 30 novas perfurações. Merece um reconhecimento especial o cuidado que nossos órgãos ambientais, como SEMA/ FEPAM, tem dado ao que lhe compete.

  • regulamentar sistemas de eco-segurança: ano após ano, tem sido desenvolvida a tecnologia de prospecção e sondagem, sem ter havido o mesmo cuidado com os possíveis acidentes. A grosso modo, mantêm-se os mesmos processos de enfrentamento às catástrofes ao longo dos tempos: uso de dispersantes, queima, injeção de lama e concreto, “cap”/sifonamento, “top kill” e utilização de linhas de bóia de contenção e absorção.

  • redefinir marcos regulatórios: os atuais parâmetros não trazem a segurança necessária para captação de petróleo em águas profundas e ambientes específicos, com suas peculiaridades. Cabe aproveitar o momento brasileiro em que se discute a distribuição de “royalties”, para elaborar um marco regulatório mais eficaz e preventivo.

  • formar e equipar pessoas: buscar a valorização da Defesa Civil, FEPAM, como entidades preparadas para o gerenciamento de situações deste porte.

  • avaliar preventivamente situações semelhantes: nosso Mar de Dentro, formado pelo sistema mar-lagoas-deltas do Jacui e Camaquã, embora diferente do Golfo do México, mantém relações de semelhança que merecem todo o cuidado frente às correntes marítimas, vida aquática, sistema paludais e, de restingas. Temos aqui no sul diversas situações de cuidado, como o Polo Petroquímico, Porto de Rio Grande, transporte e transbordo de petróleo, refinamento, etc.

  •  poluir sai caro: A BP está mantendo 30 equipes de especialistas internacionais, 2700 barcos e 30 aviões, dezenas de equipes operacionais, além de todo aparato (bóias, materiais, equipamentos, custeios diversos) que uma situação deste porte exige. A imagem e valor econômico da marca BP estão altamente fragilizados. Já estão ocorrendo diversas ações indenizatórias, de suspensão de moratória, entre outras tantas.

  • poluir significa dano social: milhares de pessoas estão no aguardo de trabalho (com a moratória de 6 meses novas perfurações encontram-se suspensas), o comércio tem se ressentido, o turismo diminuído e sobretudo paira no ar um clima de baixa auto-estima e desmotivação. Pescadores estão no aguardo de indenizações, enquanto inúmeros prestadores de serviços (alimentação, oficinas, etc.) estão em clima de aguardo e insegurança.

  • poluir mata: além dos 11 petroleiros vitimados e dos pelicanos, o zooplancton e uma infinidade de outras espécies vivas estão sendo sufocadas pelo óleo/lama. A tragédia não se limita ao tempo do derrame incontido, mas se perpetuará por muitos anos.

  • poluir traz transtornos políticos: Não apenas os representantes da Lousiania, mas para o próprio Governo Americano. É forte a acusação pública de que houve um retardo na interferência Governamental no processo, bem como de que se teria agido de forma muita branda com a BP.

  • poluir tem conseqüências abrangentes: em função da situação ambiental deltaica, cresce a preocupação das pessoas com os furacões, que tem no próprio sistema de mangues uma proteção natural às intempéries. No Golfo, ninguém esquece o furacão Katrina, que matou quase duas mil pessoas, destruiu casas e equipamentos e, obrigou a muitos a procurarem outros Estados para residir. Passados 80 dias da explosão da plataforma, o óleo crú já se esparrama amplamente pela costa americana do Golfo.

  • não informar também é poluir: as pessoas não estão acreditando em todas as informações que lhes chegam. Pois impera um sentimento de que, em função do sistema de segurança implantado pela empresa gestora de crise, as informações seriam muito filtradas.
Além do que se disse acima, muito mais será acrescentado e modificado. Contudo, uma verdade se ergue: há que se gerar conhecimento de forma totalmente transparente. Se ocorresse um acidente assemelhado no Brasil, estaríamos preparados para enfrentá-lo? O que sabemos sobre nossa ambiência a respeito disso?
Estamos à disposição para maiores contribuições. O derramamento do Golfo do México é o de maior expressão, mas quantos outros eventos ocorreram e estão acontecendo, como os do delta do Niger, por exemplo? Com mais razão ainda, não se pode perder a oportunidade de apreendermos com a tragicidade do derramamento de óleo no Golfo. E como disseram Lara Lutzenberger e Jean-Michel Cousteau no “Fronteiras do Pensamento” na última segunda-feira, dia 5/07: “só se preserva o que se ama, e só se ama o que se conhece”.


José Alberto Wenzel - geólogo

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